sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Do desemprego

Daqui a poucas semanas vai fazer um ano que estou desempregada. Neste tempo que passou, já enviei centenas de CVs, cartas de apresentação e emails mais ou menos personalizados, entre candidaturas espontâneas, respostas a anúncios e 'endereço do amigo do amigo que conhece alguém'. Fui chamada para poucas entrevistas, ainda assim, das mais ridículas às mais profissionais, das mais enganadoras às mais sérias, das 'o que é que estou aqui a fazer' às 'eu gostava de ficar aqui'.

Nestas andanças, percebi que mais difícil do que a entrevista em si, é poder depois conversar abertamente com as pessoas e opinar sobre ao que fui...

Perguntaram-me (ainda no telefonema pré-entrevista) se tinha filhos, que muitas vezes teria de ficar bem para lá da hora de saída e que portanto... ; em boa verdade, agora que recapitulo, a questão dos horários para lá dos estípulados foi abordada em praticamente todos os sítios a que fui; ouvi que um CV que apresente um desempregado há mais de 6 meses começa a criar uma certa relutância aos empregadores e que isto piora quando a data de nascimento revela (os meus) 31 anos de idade; transmitiram-me de sorriso nos lábios que pouco mais do que o ordenado mínimo era uma grande oportunidade; respondi para administrativa do departamento de marketing e saí de uma entrevista para vendedora; preenchi questionários cujas respostas estavam chapadas no CV previamente enviado. E em alguns minutos, é do que me lembro.

Durante os anos que trabalhei, não houve uma tarefa que ficasse por terminar porque estava na hora de saída. Foram muitas as vezes em que houve necessidade de ficar mais uma, duas horas para lá das 18h30 e isso permitiu-me vir para casa com a sensação de dever cumprido. No entanto, daí a achar que este deva ser um hábito, vai uma grande distância. Não é correcto, não é justo, não é saudável. E eu não tenho marido nem filhos, não sei o que é trabalhar sem horário de saída, voltar para casa e ser mulher e mãe.

Se estou desempregada há mais de 6 meses, é porque em 6 meses não consegui arranjar trabalho, não porque não quis arranjar trabalho. Devo ir alterando a data de desemprego no CV?
Quanto aos meus 31 anos, neste momento interessa há quanto tempo eu existo ou aquilo que eu fiz no tempo da minha existência? 31 anos é idade demais para trabalhar?

Eu sei que nesta altura há muitas pessoas que gostavam de ter a oportunidade de trabalhar e ganhar o ordenado mínimo. Eu própria, sabendo que este valor não cobre as minhas despesas mensais (que incluem uma renda), terei de arranjar um segundo trabalho se assim tiver de ser. Mas não me digam, nem a ninguém, que o ordenado mínimo é um euromilhões, não façam pouco das vidas que não conhecem.

O resto, nem comento. Anúncios enganadores e entrevistas para fazer número "não têm explicação", como diria uma amiga.


Eu percebo, sinto na própria pele, que estamos em crise. Que o desemprego abunda e cresce de dia para dia, que os tempos estão francamente difíceis e que arranjar trabalho é complicado. Sei também que devemos agarrar as oportunidades com toda a força. Mas, sinceramente, enquanto desempregada, deparo-me com uma outra crise quase tão grave e que contribui mais para o meu desalento. É uma crise de valores e de carácter que faz com que as pessoas tenham comportamentos e atitudes que roçam a maldade.

Assim, quando eu contar as minhas entrevistas, se por acaso criticar alguma coisa com a qual não concordo ou acho incorrecta, não cuspam um imediato "tens que te sujeitar". Porque eu sei bem onde estou, tenho os pés bem assentes na terra e sei que o mais provável é "ter que me sujeitar". Mas ainda não chegou o dia em que eu não saiba distinguir o certo do errado e mais longe ainda está aquele em que a liberdade de expressão me foi roubada.

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